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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TRIBUTO AO POETA. Vol. 2.  Org. Angélica Torres Lima. Prefácio Silvestre Gorgulho. Brasília: Biblioteca Nacional de Brasília, Thesaurus, 2009.  188 p.    17X24 cm.

Apoio: Secretaria de Cultura do DF – FAC.  Inclui textos: VIRIATO GASPAR, por Anderson Braga Horta; RONALDO COSTA FERNANDES, por Paulo José Cunha; LINA TÂMEGA PEIXOTO, por Maria de Jesus Evangelista; AFFONSO ÁVILA, por Antonio Miranda; RENATA PALLOTINI, por Adré Luis Gomes; HAROLDO DE CAMPOS, por José Fernandes; AFONSO FÉLIX DE SOUSA, por Astrid Cabral; CECÍLIA MEIRELES, por Sylvia Helena Cyntrão e OSWALDINO MARQUES, por Margarida Patriota.

 

Extraído de p. 105-112:

 

 

O EMPENHO DE DAR VIDA Á VIDA,

- sobre Renata Pallottini

-  por André Luís Gomes*

 

Não se pode apresentar Renata Pallottini sem justapor uma série de atividades — poeta, dramaturga, roteirista, professora de teatro, teórica, escritora — para compor apenas um esboço que nos dê a dimensão da pessoa humana que participou ativamente, contribuiu. Renata Pallottini está nas estantes das livrarias, nas páginas dos livros, nos sebos, mas, sobretudo, nos palcos brasileiros se na televisão. Afinal, ela cumpriu e cumpre seu papel de ensinar, como professora, a criar, e se ato criativo se desdobra e se espelha em (re)criação, basta lembrarmos de encenações dirigidas por Silnei Siqueira, Márcia Abujamra e Gabriel Vilela, que levaram aos palcos sua dramaturgia ou suas traduções.  Criação empolgada que transforma em desejo o ato de escrever sobre a vida, sobre relações humanas, sobre as pequenas coisas simples, pois trata-se de uma escrita empenhada em dar vida à vida.
A simplicidade da poesia de Renata Pallottini expõe, por antítese, a complexa busca por si mesma e pelo outro, muitas vezes, nela se desdobra num jogo lírico em que se evidencia o entendimento de si mesma e do seu processo de criação. Falando de si, a poeta inclui o outro, não só na tentativa de emocioná-lo, mas, sobretudo, de leva-lo a vivenciar o que para ela resultou em material de poesia, como no poema “Quem nunca andou de bonde”, que reproduzimos abaixo:

 

       
QUEM NUNCA ANDOU DE BONDE

 

        Quem nunca andou de bonde
não sabe essa alegria elétrica do passeio
não virou a rua Direita em frente à Amarante
nem nunca tentou descer com o bonde andando
mesmo sendo menina
Também não andou nunca
equilibrando-se nos trilhos
sonhando que eles levavam a algum lugar
misterioso
e que tudo seria diferente
quando se chegasse ao fim (que não havia)
dos trilhos do bonde
não sabe descer do lado errado
é perigo de vida
e que descer do lado certo não garante nada
Quem nunca andou de bonde é jovem
e bonito
Mas não ouviu cantar o bonde
quando o seu motorneiro
batia o pé com força atrás do bloco da Aristéia
oh Carnavais...
No bonde o vento atravessava
as pernas
todas
Mamãe pedia para eu ir no colo
Eram tempos difíceis
Vivê-los era fácil
(era infância)_
O meu bonde cantava quando descia a Glória
Parecia uma avó quando pensa na gente
Era como ter pai
como não ser (ou ser) pingente
Era a glória
Mesmo quando ia pela Liberdade
Ou
talvez
por isso.

 

        

        Em versos livres, Renata constrói um poema de imagens e sensações que são todas consequências da inocência da infância
e da Liberdade. Em tom memorialístico, a poeta, através de uma
afirmação, questiona o leitor, “Quem nunca andou de bonde!”, e
o leva imediatamente a recuperar momentos vividos, que ela passa a descrever de forma lírica. Se o leitor nunca andou de bonde, resta imaginar como seria.

 

        Em ambos os casos, pra o já vivenciado, a poesia cumpre seu papel de recuperar o que se sentiu ou de revela o que poderia sentir, ampliando sempre nossa sensação do ato vivenciado, pois os versos seguintes exaltam a alegria, o mistério, o ato de sonhar e os perigos da vida. A lembrança da poeta passa a ser a do leitor e o ato de lembrar se presentifica, pois as ações descritas — “virar a rua Direita”, “descer do bonde andando” — constroem imagens e, através delas, logo estamos nos “equilibrando nos trilhos, sonhando que levavam a algum lugar misterioso”.

 

        E se embarcamos no bonde junto ao seu eu lírico, dele saímos quando os verbos no passado anunciam que “Eram tempos difíceis” e “vive-los era fácil (a infância)”. E a voz do eu lírico se impõe através do prenome possessivo, “O meu bonde cantava quando descia a Glória”, e assim, o bonde ganha singularidade através das comparações “Parecia uma avó quando pensa na gente”, “era como o pai”, “como não ser (ou ser) pingente”. E, num jogos poético, os nomes dos bairros “Glória” e “Liberdade” transformam-se em predicativos que dão a dimensão da glória que se sente ao andar de bonde com tanta liberdade.

São de lembranças, de momentos vividos, que Renata Pallottini constrói sua poesia. Em entrevista, disponível na internet, a poeta revela um pouco de sua biografia — advogada, professora, dramaturga — e sintetiza o que pensa sobre o ato de escrever poesia:



A poesia tem que ter um conteúdo humano que seja importante para a mudança do destino do homem. (...) na verdade, o que eu quero na minha poesia é falar coisas para as pessoas. Porque na poesia a gente não pode distinguir conteúdo e forma — acho que nunca  vou ser  um   experimentador de formas, ainda mais nesta vida. A minha vida vai mudando, as minhas preocu-
pações vão mudando, os meus assuntos, minha visão de
mundo vai mudando.

 

 

        No trecho acima, percebe-se que a poeta tem no “vivenciado” o material de sua poesia e, como sabemos, ao poeta se exige, além da habilidade de escrever versos, a capacidade de perceber mudanças, de observar o mundo e, principalmente, pessoas, de questionar valores, de empolgar-se, mas, principalmente, de se indignar diante dos acontecimentos que estão desfocados e “amargam” a vida, como sintetiza a poeta na estrofe abaixo de “Chocolate amargo”:

        Escravo bom de sempre, quando te eriças
E empoas teu cabelo e foges para o mato
Buscam-te, seu cavalo, buscam-te, sua mina
Buscam em ti o seu desejo de reaver a serventia
Buscam a mão, a perna, o sexo
A carapinha
Que depois vão negar nas gerações futuras
Com um pé na cozinha...

 

         Essa indignação diante das injustiças sociais está presente em seu teatro e é embalada de ressentimentos na fala de Maria, perso-
nagem da peça Exercício da Justiça:


MARIA:
Dorme com um rico
Que fecha os seus olhos;
Os homens são iguais
Só dormidos ou mortos.
Dorme como um rei
Que adormece em seu quarto;
Os homens são iguais
Só de olhos fechados.
Descansa o teu corpo
Que desde a nascença
Já era diferente
Das outras crianças.
Que não nasceu igual
E nem nasceu livre:
Nasceu com sua fome
Que nunca sacia.

Dorme, menino.
Como uma criança;
Quem te vir dormindo
Deitado de bruços
Verá tua cabeça
Tão menosprezada,
Teu corpo franzino
Mal-alimentado,
Tuas mãos abertas
Que não possuíram nada
E de teu, na figura
De fragilidade.
De só teu,, o sono
Que não custou nada.
Dorme, desolado,
Dorme, desmentido,
Do teu corpo marcado
Brotarão quinze tiros!
Ou então, quinze moedas
Para quinze mendigos
Tentarem, como os ricos,
Subornar o destino.

 

        Numa espécie de acalanto, comparações são paradoxalmente
construídas a partir de desigualdades e, em tom de clemência, a mãe

 pede que o filho durma como um rico ou como um rei, que fecha os olhos às desigualdades. Numa sucessão de orações explicativas, o
“queismo” é artifício para reafirmar a manutenção da miséria e da desigualdade social. A repetição do imperativo “Dorme” adensa o sentimento de descrença  de uma mãe descrente diante dos fatos. O numeral quinze, repetido três vezes, é grito diante dos fatos. O numeral quinze, repetido três, é grito diante da fatalidade de um destino, marcado pela miséria, pela violência, pela morte e pelo crime. Essa espécie de cantiga de ninar descreve, poeticamente, uma vida sem saída  e sem escolhas numa sociedade marcada pela desigualdade social.
Elza Cunha de Vicenzo, ao escrever o ensaio O Teatro de Renata Pallottini: 1ª. fase, destaca, justamente, a poesia e o compromisso social sempre presente no teatro da escritora:


                               Entre a encenação de Sarapalha, em 1961, e João
Guimarães, Veredas, em 1969,.Renata escrevera várias
peças. Em 1962, O Exercício da Justiça, que ela própria
dirige na EAD, é novamente um texto breve. Mas
nesse texto surgem claramente delineados, já, alguns
traços que serão os de seu teatro posterior: certas
características formais, bem como algumas das preocu-   
pações centrais que sua obra  desenvolverá na segun-
da fase. Entre essas preocupações, repontam os
problemas com a justiça, a qual a autora vê como
cega e  que, além disso, é muitas vezes invisível,
notadamente para os marginalizados; mas aparece
também a figura do próprio marginal percebido
principalmente como resultante humana de uma ordem
social injusta, ordem, aliás, implicada no próprio
desenrolar ada ação (...) A manipulação do
tempo e do espaço, bem como a interseção dos
vários níveis de realidade, característica da estru-
turação épica do teatro, será uma das possibilidades
técnicas de autora, e vai revelar-se completamente nas
peças dos anos 1970 e 1980.  Mas esta linha épica,
desde  a primeira peça em que aparece (que é
justamente O Exercício da Justiça, assumirá um
caráter especial: o da elaboração poemática.  Daí po-
dermos considerar o teatro de Renata Pallotini, em sua
maior parte, um teatro poético (...)  (VICENZO, 1992,

                               p. 29-30).

 

 

        A crítica especializada é unânime em elogiar a capacidade dramática de Renata Pallottini, ressaltando sua capacidade de construir certa tensão dramática em meio a um lirismo questionador e reflexivo.
Mariângela Alves de Lima, ao prefaciar o  Teatro Completo de Renata
Pallotini, é categórica ao afirmar a importância das peças para o cenário teatral brasileiro:



(...)
As peças inscritas neste conjunto testemunham a
desigualdade social aprofundando-se ao longo do tempo
em uma escala crescente que vai da perversidade ao hor-
ror. Ironizam as aberrações do aparato institucional atra-
sado e injusto, dão corpo e voz a indivíduos mar-
ginalizados pela ordem econômica ou por uma moral se-
xual arcaica e autoritária. São lúcidas na argumentação,
pioneiras ao denunciar opressões nas esferas do público
e do privado e, reunidas, expressam a grandeza com
que nossos melhores dramaturgos se empenham em
combater a ignorância dos explorados, a má-fé dos
poderosos e a violência que resulta dessa desi-
gualde institucionalizada”  (LIMA, 1992, 18.19).

 

 

 

         Essas características, que compõem o que podemos chamar de
uma dramaturgia poemática, podem ser percebidas nos textos adap-
tados e traduzidos.  Pallottini traduziu, entre outros, A vida é Sonho,
de Calderón de La Barca, e criou adaptações a partir de textos
de Guimarães Rosa, Sarapalha e João Guimarães, Veredas e
transcriou As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino.

        Essas traduções e adaptações, mais do que apontar os diálogos,
como afirma Baktin, revelam sua coerência poética e dramatúrgica, ca-
racterística pela qual se pautou e se pauta em  sua carreira acadêmica,
como diretora e escritora.

        Concluindo: às vezes, sentimos uma vontade quase incontrolável
de divulgar um belo filme que assistimos, indicar um excelente espetáculo teatral, estimular a leitura de um livro que nos emocionou
e apresentar pessoas. Apresentar Renata Pallottini é extravasar
essa vontade, pois trata-se da poeta, da professora — escritora-
poeta-dramaturga — que nos emociona.

        Assumi essa tarefa de apresentar Renata Pallottini, que tive oportunidade de conhecer fora dos muros da academia e além das
páginas dos livros: estive com a poeta e amiga em Atibaia, numa casa em que a tranquilidade e a beleza guardam o brilho de uma
estrela ou de tantas estrelas — Lauro César Muniz, Fernanda
Montenegro, Elza Vicenzo, Sábato Magaldi, Cacilda Becker,
Regina Duarte, Antunes Filho e tantos outros que habitam a poesia e o teatro de Renata Pallottini.


BIBLIOGRAFIA

LIMA, Mariângela Alves de.  “Prefácio” em Teatro CompletoRenata Pallottini.  São Paulo: Perspectiva, 2006.
PALLOTTINI, Renata. Teatro Completo – Renata Pallotini. São Paulo: Perspectiva, 2006.
VICENZO, Elza Cunha de.  “Pioneirismo e Poesia no Palco” em Um Teatro e

de Mulher.  São Paulo: Perspectiva, 1992.

 

 

 

*ANDRÉ LUÍS GOMES, professor do Departamento de Teoria Literária

 Literaturas (TEL) e do Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Literatura Brasileira pela
FFLCH –USP. Autor dos livros Clarice em Cenas: as relações de Clarice Lipector e o teatro  e Marcas de Nascença – a contribuição de
Gonçalves de Magalhães para o teatro brasileiro. 
Coordenador do GT
Dramaturgia e Teatro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Lingúistica (ANPOLL) no biênio 2006-2008. Editor da Revista Cerrados, do Programa de Pós-Graduação em Literatura (UnB). Líder do Grupo de Estudos em Dramaturgia e Crítica
Teatral (GDCT) e diretor do Grupo Teatral Entrecenas.

 

 

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Página publicada em maio de 2021


 

 

 
 
 
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